Seu pai foi um imigrante judeu alemão que queria muito ser brasileiro. Ele pedia ao filho - o futuro cineasta Cao Hamburger - que pusesse nomes de índios em seus netos. Cao não realizou esse desejo do pai, mas hoje ele admite que, consciente ou inconscientemente, esteja levando adiante sua busca, ou desejo, de brasilidade. Em sua produção audiovisual, ele já falou de duas grandes paixões do povo brasileiro - futebol (O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias) e carnaval (a minissérie Os Filhos do Carnaval, na HBO).
Cao não deu aos filhos os nomes de índios que seu pai pedia, mas ele vem agora com Xingu, que estreia amanhã. O filme conta uma epopeia brasileira, a luta dos irmãos Villas Bôas para criar o Parque Nacional do Xingu, uma vasta área de reserva das culturas da Amazônia, em que os últimos remanescentes das tribos selvagens podem viver com liberdade, em meio a espécimes animais e vegetais. Foi uma longa luta, documentada num livro que está saindo simultaneamente com o filme - A Marcha para o Oeste, de Orlando e Cláudio Villas Bôas, de 1994 e agora editado pela Companhia das Letras. O livro é o diário dos irmãos durante a expedição Roncador/Xingu, quando eles ainda investigavam território inóspito e contactavam os índios.
Dessa aventura nasceu em Cláudio, o utópico, o desejo de criar o parque. Se o irmão sonhava, Orlando, que tinha os pés firmemente encravados na terra, foi o negociador que, em contato com políticos e governantes, esculpiu os movimentos que resultaram na criação do parque - não tão grande quanto sonhavam, porque não abarca as nascentes do Rio Xingu, e isso faz uma diferença enorme na preservação das espécies, mas, ainda assim, um marco referencial no estabelecimento de fronteiras para preservar o ancestral brasileiro.
Xingu é uma epopeia - intimista. Há um terceiro irmão, Leonardo, e o que o filme resgata é uma tragédia familiar. Num determinado momento, Leonardo, atraído pela beleza das índias, enamora-se de uma delas e a imprensa da época passa a explorar o fato, ameaçando o projeto do Xingu. Ele foi afastado, e morreu cedo, o que criou um vazio (e um sentimento de acusação e de culpa) nos irmãos sobreviventes. O filme, conta Cao Hamburger, nasceu do desejo de narrar, para o povo brasileiro, essa história ainda pouco conhecida.
Mais do que uma obra de encomenda, nasceu de um convite da O2, a empresa de Fernando Meirelles, para Cao. Meirelles havia sido contactado pela família Villas Bôas. Quando assumiu o filme, Cao impôs algumas condições - e uma delas era a de que a família não interferisse nem opinasse no roteiro. Xingu integrou a seleção do Panorama, no Festival de Berlim, em fevereiro. Como O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, que Cao também levara à Berlinale, trata do exílio interno, o tema que mais atrai o diretor/autor. Cao admitiu-o em conversas com o repórter, na Alemanha e em São Paulo.
fonte: oestadão.com.br